A descoberta da pintura mural da década de 40

Durante a reforma de um imóvel em Pinheiros , uma arquiteta encontrou nas paredes , embaixo de várias camadas de massa e tinta , uma pintura decorativa . Foi então que o proprietário do imóvel se deslumbrou com a descoberta e lembrou-se que na sua infância as paredes tinham realmente uma pintura , parecida com um papel de parede .

Como o imóvel iria se tornar um escritório , a arquiteta  junto com o proprietário , decidiram então conservar apenas uma parede com esta pintura , um corredor no andar superior do sobrado que ligava 2 salas .

Fiz este trabalho em um mês, pois a obra já estava quase entregue e só faltava esta parede para terminar e alguns detalhes de iluminação , retoques de pintura e decoração , posso dizer que foi bem " cansativo " , pois as camadas de massa e tinta eu removi sozinha com bisturi .

Este era o estado da parede quando fui chamada para fazer a restauração

E foi de pedacinho em pedacinho que a pintura original da década de 40 foi aparecendo ...



Depois de toda a massa e tinta removida , fiz uma delicada limpeza para remover os resíduos , e finalmente a pintura foi aparecendo em boas condições , pronta para ser nivelada e retocada .












E assim, eu conclui mais um trabalho e deixei mais um cliente feliz , com sua parede da época de infância exatamente como era e ainda preservei mais um pouco da nossa história  , pelo menos das pinturas murais desta época !





  

Enfim é Natal

Nossa esse ano não passou rápido , ele me atropelou !
E já estamos nós outra vez no fim do ano ...
Oba Natal , festas , família , comilança , viagens , enfim  hora de recarregar as baterias .

E este ano fiz uma restauração de um presépio , acabei de entregar para a cliente , que ficou bem satisfeita e eu muito feliz com isso , claro.

O presépio é de gesso , mas tem um valor sentimental muito grande para a dona dele , como ela me contou , ganhou quando tinha 1 ano de vida  . Isso deve ser mais ou menos uns 50 anos , não perguntei para não ser indelicada .



presépio antes do restauro



Eu como restauradora apaixonada pelo que faço , não sou do tipo que não aceita "trabalhos menores" , de gesso , cerâmica , ou artesanatos feitos pelos próprios clientes . Para mim , tudo tem um valor , e o valor sentimental é aquele mais verdadeiro . Pois quem ama aquela escultura , a tela ou o pratinho pintado pela avó , cuida e deixa para futuras gerações . E é aquele tipo de cliente que sabe que o restauro não é muito barato , mas a gente sempre chega em um acordo , porque me importa mais um cliente feliz , do que uma peça de estimação guardada quebrada .



As peças estavam bem sujas , todas com pequenas perdas , o S. José tinha o pescoço quebrado ,  o menino Jesus os dedinhos faltando , a Maria perdas no rosto , manto e na cabeça .



Fiz a restauração de cada parte do presépio , limpeza delicada com solvente , nivelamentos e retoques nas perdas. Ficou lindo e com as cores originais totalmente preservadas .



E assim fui entrando no real espírito natalino . Deixo aqui esta imagem e desejo um FELIZ NATAL para todos !


presépio restaurado




   
            

Palestra gratuita no MIS

Atenção pessoal da área , estão abertas as inscrições para a palestra

"Princípios de Organização de Reservas Técnicas"

MIS de SP - 11 de nov. de 9 às 17h.

Grátis: http://www.fundacaobunge.org.br/

Será ministrada por Gedley Braga , grande restaurador e pesquisador na área.

 Corra que são apenas 100 vagas . Minha vaga já tá garantida !

Abraços




                                                                         

Alegria e êxtase


O termo "afresco" é utilizado para descrever o processo tradicional do "buon fresco" : consiste em pintar sobre uma parede de argamassa de cal de preparo recente , ainda úmida , com pigmentos moídos somente em água . Quando a argamassa seca , endurece como pedra , e os pigmentos secam como se fossem parte integral da superfície .

Quem assistiu ao filme " Agonia e êxtase " pode ver Michelangelo pintando cada etapa da Capela Sistina . E os ajudantes fazendo a argamassa e misturando os pigmentos para fazer a tinta . Um lindo filme de 1965 . Indico para todos os amantes das artes .

 

Eu já tinha restaurado pinturas murais antes , mas nunca um afresco ! O mais inusitado foi o local onde foi feito . Quem passa pela Consolação , em São Paulo , indo em direção ao centro nem pode imaginar , que em um daqueles edifícios antigos , feiosos e pequenos existe um afresco tão lindo . E não é no Hall de entrada , ou algo assim . Foi feito dentro de um apartamento de apenas um dormitório , sala e cozinha ... A pintura deve valer mais do que o apartamento hoje em dia .


O artista , nada menos que Antonio Gomide . Uma pintura belíssima , uma alegoria à música .


A pintura ficava bem no corredor de acesso ao quarto , seria a parede lateral da sala . No apartamento morava de aluguel uma família de quatro pessoas . A proprietária do imóvel nos explicou mais tarde que aquele apartamento havia sido dividido em dois , e aquela parede havia ficado para o lado menor do imóvel .

A dona da obra de arte sabia muito bem o valor do tinha na parede , e preocupada com as condições da conservação da pintura chamou meu mestre Anchieta e eu para restaurá-la . Aproveitando um feriado prolongado no qual a família tinha ido viajar .

Conseguimos montar um pequeno andaime na sala e trabalhamos quatro dias inteiros lá . Ainda bem que o restauro necessário era pouco . A pintura apresentava vários riscos , abrasões e algumas perdas . Fizemos apenas umas fixações localizadas nivelamentos e retoques .

 
Foi a primeira vez que vi de tão perto um afresco e este ainda é maravilhoso . A delicadeza das pinceladas perfeitas , deu para ver até os pontos da linha do desenho , que o artista faz antes de pintar . Muito lindo mesmo .


Com mais este trabalho realizado e feliz da vida , sempre que passo pela Consolação engarrafada  , fico sorrindo por saber que lá em cima , num apartamentinho escondido tem uma pintura incrível que eu ajudei a preservar !








 

A Cidade Maravilhosa

Acreditem vocês que eu não tinha conhecido o Rio de Janeiro ainda , sim  já viajei bastante por aí , Tailândia , Amsterdã , NY , São Francisco , Paris . Mas a cidade maravilhosa era meu sonho conhecer !

Acho que nunca tinha ido antes por puro medo , de ouvir tantos relatos das balas perdidas , das favelas  ,  aquela lenda que paulistano escuta , que se você pegar uma rua errada , vai sair numa favela e vão te roubar e etc .
Mas quando fui chamada para fazer um trabalho lá , esqueci tudo isso e fui voando conhecer o Rio .

Trabalhei no Museu Nacional de Belas Artes , no Centro , ao lado da Biblioteca Municipal , e me surpreendi com tantos prédios antigos e lindos que existem no Centro do Rio .


Fui chamada para fazer os laudos de conservação da Mostra Espanha Século XVII : O sonho da razão .


O prédio é magnífico por fora e por dentro , a escadaria que dá acesso às salas superiores é um show a parte . Aliás , tudo lá dentro é muito bonito.


Foram chamados três conservadores da Espanha , e três aqui do Brasil . A equipe se entrosou bem , e a gente trabalhava falando o mais puro " portunhol ". Foram quinze dias de trabalho na montagem . As caixas com as obras iam chegando , e nós acompanhávamos a abertura , fazíamos os laudos de conservação e acompanhávamos a colocação no lugar . Eram muitas peças , telas , esculturas , cerâmicas , jóias e vestimentas .
E mais uma vez acompanhei toda montagem da exposição , desde a cenografia , a museologia e a iluminação .

Fiquei hospedada num dos melhores hotéis de Copacabana , do terraço dava para se ver toda a orla . Me apaixonei pelo Rio logo de cara . E nas horas vagas , depois do trabalho às 17/18 hs,  eu ia desbravando o que podia . Caminhadas no calçadão de Copacabana até Ipanema , muita água de coco e à noite Leblon . Até consegui ir sozinha de ônibus e metrô até o Cristo Redentor , uma das visões mais maravilhosas da minha vida  , mais lindo até do que subir na torre Eiffel !
Me sentia estranhamente da cidade , conversava com todos , lá te tratam muito bem  "SALVE SALVE SIMPATIA CARIOCA"  .

O trabalho era cansativo , em pé e andando de um lado para o outro o dia todo , mas muito gratificante , ter em mãos obras do Museo Reina Sofia , Museu do Prado ,  olhar de perto , tocar ( de luvas ) ,não é para qualquer pessoa . Anotávamos tudo que achavámos , craquelês , manchas , desgastes , perdas , riscos . E os conservadores espanhóis iam acompanhando nossos laudos .

Na desmontagem da exposição fiquei uma semana , mas não menos proveitosa . Conheci o morro de Santa Teresa , lugar dos artistas , com seus vários ateliês , lojinhas , barzinhos e a vista maravilhosa da Baia de Guanabara . Ahhhh ... e a praia da Barra , me apaixonei por este lugar .
O Brasil ganhou a Copa do mundo enquanto eu estava lá , e pude até festejar nas areias de Copacabana com o samba da Mangueira rolando . E os espanhóis cantando junto com a gente " Eeeu .. sou brasileirooo , com muito orgulhooo ... com muito amooor  " rsrs .

Não ocorreu nenhum acidente nas obras de arte durante a exposição e tudo correu bem . Conferíamos o laudo e a equipe da montagem embalava , encaixotava e lacrava as obras . E elas estavam prontas para voltarem para a Espanha .

Sozinha no aeroporto , sentada na minha mala esperando meu vôo , tive a certeza de que recebi um dos maiores presentes do mundo , em forma de trabalho . Eu nunca mais fui a mesma , a Cidade Maravilhosa deixou marcas no meu coração para sempre . Voltei mais quatro vezes para lá , à passeio , e sempre que vou , esta cidade me surpreende e encanta , ainda quero voltar mais mil vezes , se for possível . E o Cristo Redentor sempre estará lá para me receber de braços abertos .

Obrigada Rio de Janeiro !







O Pateo do Colégio

O marco de fundação de São Paulo é o Pateo do Colegio , no Centro . Fundado pelos jesuítas , foi o primeiro Colégio da cidade . O padre José de Anchieta foi seu fundador .


Em 2001 foi feita uma grande restauração lá , incluindo o prédio e todo o acervo do museu .
Antigamente esse museu era um verdadeiro horror , mal cuidado , sem museologia adequada .
Hoje é um lugar lindo , com uma intensa visitação .
Não é para menos , as peças que o museu abriga são fantásticas . Várias telas , esculturas policromadas , e peças de Igrejas .
Lembro que esse ano foi bem agitado , eu trabalhei em dois ateliês ao mesmo tempo , que pegaram  peças para restaurar , e tive o privilégio de ter em mãos esculturas maravilhosas , como os Cristos , variados santos e muitas telas .
Muitas peças do acervo estavam bem danificadas , e quase todas com bastante repintura.


Esta tela , por exemplo , foi uma das quais me lembro bem . Retrata o Padre José de Anchieta no Brasil , com um animal ao lado , uma onça  ou jaguatirica  . Visão de algum europeu , claro . Mas a tela não tinha assinatura .
O estado de conservação dela era o pior possível , estava reentelada , de modo errado , e com grandes áreas de repinturas e com nivelamento grosseiro.
Nesta foto é o momento em que retiramos todas as intervenções incorretas , para aí sim , fazer um trabalho adequado . Olhando assim parece assustador , mas para quem quiser ver a tela restaurada é só dar uma passadinha no Museu do Pateo do Colegio.

Várias esculturas estavam também bem danificadas , sujas e repintadas fizemos a remoção das repinturas com bisturi e solventes adequados , trabalho bem lento e minucioso , os nivelamentos e as reintegrações cromáticas necessárias . Um trabalho muito recompensador !

As peças que não eram feitas por mim , eu sempre ia olhar e aprender cada etapa , com os outros restauradores , o que eles estavam fazendo .

Aprendi muito mais sobre restauro e suas técnicas neste ano . Conheci e tive a honra de trabalhar com uma das melhores restauradoras do Brasil .Cresci muito com este trabalho , lógico que nesta época eu já tinha feito o curso de formação em restauro , mas a prática , com peças tão diferentes foi a melhor escola .






A Igreja de Santa Teresinha

Quem conhece bem São Paulo sabe que casar na Igreja de Santa Teresinha , perto do Pacembu , é uma tradição entre as famílias ricas . Depois da Nossa Sra. do Brasil , ela é talvez a segunda Igreja mais procurada ! E isso por causa da famosa "chuva de pétalas de rosa" no altar , depois do " SIM " .
A Igreja é pequena , muito linda , e pintada pelos irmãos Gentili , os mesmos de São Roque .

Quando fui fazer um trabalho lá , o estado de conservação das pinturas ainda era boa , com pequenas excessões de alguns descolamentos da pintura na nave central . O problema a qual fui chamada a resolver , junto com meu mestre Anchieta , era dos corredores laterais. Por estar incrustada entre um prédio e uma escola , os corredores estavam com muitas infiltrações e a pintura estava se perdendo .



O desastre maior foi o que fizeram , os corredores já haviam sido restaurados , quer dizer REPINTADOS ! e muito mal feito . As cores erradas ( muito vibrantes ) as máscaras e filetes em posições erradas .


Depois de retirar a repintura e finalmente achar o original , as cores certas foram feitas , no estilo Gentilli de tons , até um filete e ornamentação dourada foi resgatado , e deu mais luz e vida as pinturas ornamentais . Foram poucos meses de trabalho , pois não queriam mexer na nave central por falta de verba .

Mas o mistério da " chuva de pétalas de rosas " eu consegui descobrir como era feito .... rs . Um menino era pago ( 10 reais ) , para subir no forro da Igreja e fica deitado lá , só espiando o casamento através de um buraco pequeno , na hora do " Pode beijar a noiva " , ele jogava as pétalas !!!





       

Enfeite de lareira ? jamais !!!

Uma obra de arte é muito mais que um simples objeto de decoração , ainda mais quando é uma pintura antiga e de certo valor . É também um bem cultural , e deve ser tratado como tal .


Uma vez fui ver uma tela na casa de uma Sra. muito culta e de um certo status social .
A tela era linda , apesar de não se conseguir ver muita coisa . Era muito antiga , escura , com pinturas de santos , " estilo cusquenho " . A camada pictórica estava totalmente recoberta por uma sujeira amarela-esbranquiçada . Apresentava perdas , enfim ,  um caso sério !

Levei ao ateliê e descobri a causa daquele problema . A tela por ser antiga , já havia sido restaurada , e o reentelamento foi feito a base de cera .
A tela ficava em cima da lareira , assim com o calor da lareira acesssa , o reentelamento ia derretendo e subia para a camada pictórica .
Fiz a limpeza , a retirada do reentelamento , um novo reentelamento com outro produto , a fixação da camada pictórica ,os nivelamentos e o retoque . E pronto , a tela estava linda e saudável .




Agora era só convencer a dona da tela que em cima lareira não é lugar de obra de arte .






   
                                     

Um caso curioso

Eu estava trabalhando de volta no ateliê, fazendo telas outra vez . Um dia uma amiga da época de colégio me liga, e pede para eu ir ver uma tela do pai dela.
É uma família de italianos, o pai dela veio pequeno para cá, e lógico trouxeram muitas obras de arte da Itália. Fui olhar a tela, uma marinha muito bonita e bem pintada . Minha surpresa foi quando olhei atrás do quadro  ( restaurador adora olhar o verso da tela , pois é lá que se descobre muita informação sobre o estado de conservação ) e tive uma surpresa, a tela não tinha chassi !
Nunca tinha visto algo assim, a tela estava toda deformada, pois havia sido pregada diretamente na moldura !







O pai da minha amiga nunca tinha percebido isso, me contou que achava que o pai dele deve ter trazido a tela enrolada na mala e colocado numa moldura aqui no Brasil.
O difícil foi convencê-lo que era necessário fazer um chassis, com cunhas e que isso era um dos motivos do valor do restauro.


Normalmente quando pegamos uma tela para restaurar, o chassis tem que estar adequado para cada tela, o chassi com cunha é utilizado porque a tela normalmente se movimenta e o chassi deve movimentar-se junto. Quando uma tela tem chassi fixo, isso é pregado ou colado, sem cunhas, o melhor é sempre trocá-lo, para não haver a deformação da tela e por consequência o craquelamento e perdas da camada pictórica. Telas muito grandes necessitam de chassis com travas horizontais ou em cruz , dependendo do tamanho.






A saúde de uma tela depende de vários fatores, o chass , o suporte, a base de preparação, a camada pictórica e o verniz .E também do local onde ela fica, com condições climáticas adequadas.





Reentelar ou não reentelar ? eis a questão ...

Uma prática comum na restauração é o reentelamento. Quando se adere um novo tecido , preferencialmente linho , a uma tela estragada . O linho é usado pois é um tecido que não deforma com o tempo, o algodão por exemplo, deforma-se com a umidade .

Há muitas controvérsias no mundo da restauração quanto a se reentelar ou não . Uma tela restaurada e que não foi necessário fazer o reentelamento é mais bem vista pelos colecionadores . Uma vez que o tecido guarda em si características únicas da época em que foi feito .
Reentelar é necessário quando o tecido está deteriorado
" puído ", comprometendo a pintura , grandes deformações ou se existe um rasgo muito grande , ou vários rasgos .
verso de tela com manchas e deformidades


Quando restauramos uma tela antiga século XVII , XVIII , e que foi anteriormente restaurada , as vezes encontramos um reentelamento , este era feito na Europa com cola de farinha , que apodrece e deixa resíduos difícies de se retirar . Temos que desgrudar o tecido do reentelamento por trechos e depois raspar com cuidado toda a " cola " restante da tela original . É um processo longo e trabalhoso . Como também é a retirada de reentelamento feito com cera . Muito utilizada também . A cera é ainda usada por restauradores que não se modernizaram . E também deixa muito resíduos na tela original .


retirada de reentelamento


Como eu já expliquei anteriormente , no restauro correto , retiramos todas as intervenções anteriores para se chegar mais próximo do original possível e só depois , tratar a obra .
Um dos problemas que ocorrem quando uma tela não é bem reentelada são as bolhas de falta de aderência . O que traz movimentação para a tela , podendo até criar craquelês e perda de pintura. Também ocorrem manchas no verso da tela , feitas por quem não sabe reentelar .

manchas no verso de uma tela reentelada errado






exemplos de telas reenteladas corretamente


Os produtos hoje utilizados modernizaram-se bastante . Existe no mercado hoje um produto que não deixa resíduos é limpo e ótima aderência . Saiba bem para quem entregar sua obra de arte , pergunte sempre as técnicas utilizadas para não haver sustos e arrependimentos posteriores .






   

O desastre das repinturas


O trabalho mais dificil para um restaurador é a remoção das repinturas !
Muitas vezes chegam até nós telas que já passaram nas mãos de " pseudo-restauradores" , que
acabam estragando mais a obra do que restaurando.

O trabalho das remoções de repinturas é um dos mais delicados a serem feitos , pois exigem do restaurador um conhecimento profundo da obra do artista , dos solventes a serem usados e também delicadeza e paciência .

Depois da limpeza superficial feita e a retirada do verniz , é que aparecem os primeiros indícios de uma pintura por baixo da original.
Muitas vezes a remoção é feita com bisturis bem afiados,  para se retirar cada camada sobreposta..


Tela com repinturas



Retirada da repintura com bisturi



Imagem de Santo Antônio Repintada


Retirada da Repintura


Além das repinturas , um problema que encontramos em algumas telas são os nivelamentos feitos com materias inadequados ( como durepoxi , massa corrida , jornal ) . O restaurador para salvar uma obra deve devolver a ela suas características originais. Toda intervenção anterior deve ser removida , chegando o mais proximo do original possível .


E toda nova reintervenção do restauro deve ser obrigatoriamente REVERSÍVEL . Usando materias adequados a cada tipo de obra .


A tela aqui mostrada pertence ao acervo de arte cusquenha do Bank Boston , e a imagem de Santo Antonio é de cliente particular .



      


BRASIL 500 anos , o grande evento

Era o ano das comemorações de 500 anos do Descobrimento do Brasil, e o país todo se agitava para as mais diversas festividades . Entre elas a maior exposição de Arte já vista .

A " Mostra do Redescobrimento Brasil +500 " .

Ocupou os três espaços do Ibirapuera , a OCA , A BIENAL , e onde é hoje o Museu Afro Brasileiro , além de uma sala de projeções ao lado da Bienal chamada " Cine Caverna ".


"Decidimos incluir na mostra um elemento
revolucionário que mudasse, definitivamente,
a história das exposições no Brasil :
em vez de apresentar obras de arte da forma tradicional , resolvemos transformar cada um dos módulos da exposição
em um autêntico espetáculo cenográfico,
a serviço da maior ênfase à beleza dos trabalhos expostos e da compreensão do seu conteúdo. "

Edemar Cid Ferreira


Foi um grande evento , que atraiu um público gigantesco , e foi executado por centenas de pessoas das mais diferentes áreas , desde a reforma da Marquise , dos Pavilhões , a cenografia , iluminação , museologia , conservação , curadoria , transporte de obras , área educativa e patrocinadores.
Bem antes do evento começar fomos chamados as pressas , Anchieta e sua equipe ( eu e Anna ) , para restaurar um painel que existia na OCA. Estava tudo em obras a mil por hora lá , e o painel atribuído a Clóvis Graciano estava se deteriorando devido a infiltração de água no local.





O trabalho não era nada fácil , pois a parede estava bem úmida , que chegava a escorrer . E não havia tempo para se restaurar o painel como devia ser feito , como sempre , deixaram tudo para última hora .
E tinha também muita gente lá dentro , entre pedreiros , eletricistas , soldadores , o barulho era insuportável .
Fomos fazendo nosso trabalho , secagem da parede , limpeza , fixação das partes em descolamento , nivelamento e começamos o retoque .



Mas a equipe da cenografia logo foi chegando e tivemos que parar este trabalho pela metade.
Fizeram então uma parede falsa , de madeira para esconder o painel . E até hoje não sei o que foi feito dele ....




Tinha muita trabalho a se fazer lá na Brasil +500 , os quadros iam chegando , muitos deles precisando de restauro , e fomos encarregados de restaurar vários deles . Montamos uma sala de conservação e restauro lá dentro do primeiro Pavilhão . Era um corre-corre sem fim todos os dias. Fizemos os laudos de conservação das obras de Arte Moderna , das obras do Imagens do Inconsciente e Arte Contemporânea .


Foi simplesmente delicioso trabalhar neste evento , um grande aprendizado da História da Arte , uma honra poder ver tão de perto cada pedacinho de obras de arte , que até então só tinha visto em catálogos ou museus . E também o contato direto com os mais diversos artistas e curadores .




A montagem da cenografia também era um espetáculo a parte , o cenário criado por Bia Lessa para a Arte Barroca foi polêmico e surpreendente , no vão da Bienal ela criou uma Igreja Barroca , onde foram expostas as peças de um Altar Barroco e Imagens .

 
Foi na montagem da obra "O Helicóptero " de Wesley Duke Lee , que tive meu momento fã ... rsrsrs. Sou uma apaixonada pelos trabalhos deste artista .Eu estava fazendo o laudo e acompanhando a montagem da obra dele .
Como todo artista , ele é um excêntrico apaixonado por arte , quando ele viu através dos vãos a Igreja feita por Bia Lessa em processo de montagem , logo pediu minha máquina fotográfica para registrar um momento que ele nunca tinha visto ! Um Cristo deitado no chão com seu crucifixo ...rs .

A foto está guardada até hoje comigo , como um " obra de arte " do Wesley Duke Lee feito só para mim .



Depois da exposição montada , durou de 23 de abril a 10 de setembro . Fiz a conservação de várias obras e alguns restauros de emergência . Aconteciam imprevistos , lógico , durante toda a exposição.

Uma vez fui socorrer uma obra que haviam grudado um " chiclete " , por uma turma de estudantes .
Uma obra de Hélio Oiticica simplesmente se espatifou no chão , pois era pendurada por fios de nylon que não aguentaram seu peso .
As obras de Anselm Kiefer também sofreram ao longo da exposição , os painéis de madeira , onde eram feitas as colagens do artista , começaram a se movimentar devida a falta de umidade do local onde estavam expostos .
As obras de Arthur Bispo do Rosário estavam cheias de cupins e tivemos que descupinizar e restaurar algumas delas .
Uma obra da Arte Afro Brasileira , que ficava perto das janelas do prédio da Bienal começou a craquelar inteira , e com a autorização dos proprietários eu fiz a fixação dos craquelês as pressas , ou ia começar a cair toda a camada pictórica .



Foram 5 meses de exposição , e quase um ano de trabalho ... trabalhei até nos finais de semana . Mas também aproveitei cada pedacinho da exposição , cada quadro, escultura e objeto .. e lógico as altas festas dos patrocinadores que aconteciam .
Depois veio o processo de desmontagem , os laudos de conservação de saída das obras e as entregas .
Um ano agitado e de muita aprendizagem para mim . Tive a certeza de estar no momento certo , na hora certa e de que realmente estou no caminho certo . E tudo isso é o que amo fazer !




   

Quinze minutos de fama


O trabalho em São Roque estava a todo vapor , tínhamos uma equipe em harmonia , Anchieta , eu , Paulo e mais tarde o André
( dois pintores de parede excelentes ) .
A cidade estava se encantando com cada nova etapa concluída . Já fazíamos parte da vida pacata da cidadezinha de interior . Por onde a gente andava , erámos reconhecidos ( acho que também por que andavámos todos sujos de tinta ..rs ).


Até saíram notícias no Jornal da Economia ( jornal local ) e até no jornal de Sorocaba sobre a restauração da Igreja Matriz .


Aqui já era o ano de 1997 , eu estava grávida de seis meses do meu filho . E não deixei de subir nos andaimes até o momento da minha médica me proibir aos 8 meses de gravidez . Ainda sai de lá e fui retocar umas telas no ateliê . Tive as primeiras contrações retocando uma tela cusquenha muito linda .

Voltei para São Roque depois de aproximadamente 7 meses , e nesta etapa estava sendo feitos os corredores laterais .
O restauro continuou etapa por etapa até o final , no Altar Mor . Sendo concluído no começo de 2000 .
Um grande trabalho muito bem feito , com muita dedicação e com muito orgulho .
Sempre que posso dou uma escapadinha para São Roque rever a Igreja , e não tem nenhuma vez que eu não fique emocionada !



Teto do Altar Mor da Igreja Matriz de São Roque restaurado








e ...  " VIVA SÃO ROQUE !!! "












  

Cores e máscaras





A restauração da Igreja Matriz de São Roque era minuciosa . Os andaimes eram montados da porta de entrada e iam em direção ao Altar ,por etapas , a cada 4 ou 5 meses é que mudávamos de lugar . Somente na semana das festividades de São Roque , 16 de Agosto , é que a Igreja era liberada . A festa é até hoje um lugar importante de romaria dos fiéis , e recebe alguns mil visitantes todo ano. É uma loucura ! A Igreja fica o dia todo com um entra e sai de gente , querendo tocar na Imagem de São Roque . A tardezinha do dia 16 tem a procissão , onde o Santo sai e , acompanhado pelos fiéis , percorre algumas ruas do centro , que são decoradas no dia anterior por tapetes de serragem coloridos com desenhos muito bonitos. E termina na porta da Igreja Matriz com o povo gritando a todo instante :  



                " VIVA SÃO ROQUE !!!"




corredor da nave central da Igreja Matriz de São Roque


Anchieta e eu trabalhamos com dedicação durante todos esses 4 anos , limpeza das pinturas .... saia um caldo preto de sujeira e só assim chegávamos a cor original. Nas paredes laterais da nave central , da metade para baixo , havia uma infiltração de água de chuva causada pelo entupimento das calhas a todo instante , por folhas e pombos mortos . Depois de desentupidas as calhas e a parede seca , nós começamos a fazer o trabalho . E não era nada fácil .

Essa lateral que estou me referindo , a metade da parede para baixo da nave central , onde estão os anjos e os Apóstolos foi toda refeita , é nova ! Não se tinha como recuperar a antiga , pois havia caído a pintura toda. Assim como os desenhos ornamentais do teto , quase tudo foi refeito , igualzinho ao original . Hoje , quando ainda passo para visitar a Igreja ainda me surpreendo... não há diferença alguma no novo , feito por nós e o antigo , feito pelo Gentili .


Anchieta e eu


As cores eram as mais variadas , fazíamos todas em potes separados de plástico e as nomeamos ... mas acho que a linguagem criada era só nossa ...rs " roxo da máscara da flor " ," luz das bolinhas da corda ", " amarelo das volutas do teto" . Lá foi onde tive a certeza que minhas aulas de mistura de cores , pintando quadradinhos , tiveram um grande valor .
Acho que fizemos mais de 700 cores diferentes na Igreja toda , era muito detalhe , luzes , filetes e desenhos ornamentais com 7 a 10 cores . Era as vezes um dia inteiro para se fazer 4 ou 5 cores ,  dependendo do tom . Mas eu amava este trabalho !

                                                        

As pinturas artísticas dos anjos e Apóstolos , da Nossa Senhora e de São Roque e outros elementos sacros foram apenas retocadas , com um pincel bem fino , preenchendo apenas as lacunas deixadas pelos craquelês .

                                                              

A pintura ornamental que foi necessário refazer , foi um trabalho árduo a parte , as paredes normalmente tinham uma cor principal de fundo , e por cima variados desenhos sobrepostos feitos numa perfeição de proporção , distância e enquadramento. Copiamos os desenhos , passamos cada parte separadamente para um acetato e recortamos com um estilete , vazando assim o desenho que precisávamos . Depois a parede era marcada com uma fina linha de giz , e era enquadrado cada parte do desenho. Isso foi feito muitas vezes , eram muitos desenhos e muitos detalhes.



Um dos tetos da nave central com desenhos artísticos e ornamentais





          Detalhe bem de perto do teto antes do restauro



Aqui nesta foto a cima , temos o exemplo de um detalhe do teto antes do restauro ( esquerda ) e após o restauro (direita ) .

Somente naquele quadrado das estrelas , precisamos de 10 máscaras e quase 17 cores diferentes .