Palestra gratuita no MIS

Atenção pessoal da área , estão abertas as inscrições para a palestra

"Princípios de Organização de Reservas Técnicas"

MIS de SP - 11 de nov. de 9 às 17h.

Grátis: http://www.fundacaobunge.org.br/

Será ministrada por Gedley Braga , grande restaurador e pesquisador na área.

 Corra que são apenas 100 vagas . Minha vaga já tá garantida !

Abraços




                                                                         

Alegria e êxtase


O termo "afresco" é utilizado para descrever o processo tradicional do "buon fresco" : consiste em pintar sobre uma parede de argamassa de cal de preparo recente , ainda úmida , com pigmentos moídos somente em água . Quando a argamassa seca , endurece como pedra , e os pigmentos secam como se fossem parte integral da superfície .

Quem assistiu ao filme " Agonia e êxtase " pode ver Michelangelo pintando cada etapa da Capela Sistina . E os ajudantes fazendo a argamassa e misturando os pigmentos para fazer a tinta . Um lindo filme de 1965 . Indico para todos os amantes das artes .

 

Eu já tinha restaurado pinturas murais antes , mas nunca um afresco ! O mais inusitado foi o local onde foi feito . Quem passa pela Consolação , em São Paulo , indo em direção ao centro nem pode imaginar , que em um daqueles edifícios antigos , feiosos e pequenos existe um afresco tão lindo . E não é no Hall de entrada , ou algo assim . Foi feito dentro de um apartamento de apenas um dormitório , sala e cozinha ... A pintura deve valer mais do que o apartamento hoje em dia .


O artista , nada menos que Antonio Gomide . Uma pintura belíssima , uma alegoria à música .


A pintura ficava bem no corredor de acesso ao quarto , seria a parede lateral da sala . No apartamento morava de aluguel uma família de quatro pessoas . A proprietária do imóvel nos explicou mais tarde que aquele apartamento havia sido dividido em dois , e aquela parede havia ficado para o lado menor do imóvel .

A dona da obra de arte sabia muito bem o valor do tinha na parede , e preocupada com as condições da conservação da pintura chamou meu mestre Anchieta e eu para restaurá-la . Aproveitando um feriado prolongado no qual a família tinha ido viajar .

Conseguimos montar um pequeno andaime na sala e trabalhamos quatro dias inteiros lá . Ainda bem que o restauro necessário era pouco . A pintura apresentava vários riscos , abrasões e algumas perdas . Fizemos apenas umas fixações localizadas nivelamentos e retoques .

 
Foi a primeira vez que vi de tão perto um afresco e este ainda é maravilhoso . A delicadeza das pinceladas perfeitas , deu para ver até os pontos da linha do desenho , que o artista faz antes de pintar . Muito lindo mesmo .


Com mais este trabalho realizado e feliz da vida , sempre que passo pela Consolação engarrafada  , fico sorrindo por saber que lá em cima , num apartamentinho escondido tem uma pintura incrível que eu ajudei a preservar !








 

A Cidade Maravilhosa

Acreditem vocês que eu não tinha conhecido o Rio de Janeiro ainda , sim  já viajei bastante por aí , Tailândia , Amsterdã , NY , São Francisco , Paris . Mas a cidade maravilhosa era meu sonho conhecer !

Acho que nunca tinha ido antes por puro medo , de ouvir tantos relatos das balas perdidas , das favelas  ,  aquela lenda que paulistano escuta , que se você pegar uma rua errada , vai sair numa favela e vão te roubar e etc .
Mas quando fui chamada para fazer um trabalho lá , esqueci tudo isso e fui voando conhecer o Rio .

Trabalhei no Museu Nacional de Belas Artes , no Centro , ao lado da Biblioteca Municipal , e me surpreendi com tantos prédios antigos e lindos que existem no Centro do Rio .


Fui chamada para fazer os laudos de conservação da Mostra Espanha Século XVII : O sonho da razão .


O prédio é magnífico por fora e por dentro , a escadaria que dá acesso às salas superiores é um show a parte . Aliás , tudo lá dentro é muito bonito.


Foram chamados três conservadores da Espanha , e três aqui do Brasil . A equipe se entrosou bem , e a gente trabalhava falando o mais puro " portunhol ". Foram quinze dias de trabalho na montagem . As caixas com as obras iam chegando , e nós acompanhávamos a abertura , fazíamos os laudos de conservação e acompanhávamos a colocação no lugar . Eram muitas peças , telas , esculturas , cerâmicas , jóias e vestimentas .
E mais uma vez acompanhei toda montagem da exposição , desde a cenografia , a museologia e a iluminação .

Fiquei hospedada num dos melhores hotéis de Copacabana , do terraço dava para se ver toda a orla . Me apaixonei pelo Rio logo de cara . E nas horas vagas , depois do trabalho às 17/18 hs,  eu ia desbravando o que podia . Caminhadas no calçadão de Copacabana até Ipanema , muita água de coco e à noite Leblon . Até consegui ir sozinha de ônibus e metrô até o Cristo Redentor , uma das visões mais maravilhosas da minha vida  , mais lindo até do que subir na torre Eiffel !
Me sentia estranhamente da cidade , conversava com todos , lá te tratam muito bem  "SALVE SALVE SIMPATIA CARIOCA"  .

O trabalho era cansativo , em pé e andando de um lado para o outro o dia todo , mas muito gratificante , ter em mãos obras do Museo Reina Sofia , Museu do Prado ,  olhar de perto , tocar ( de luvas ) ,não é para qualquer pessoa . Anotávamos tudo que achavámos , craquelês , manchas , desgastes , perdas , riscos . E os conservadores espanhóis iam acompanhando nossos laudos .

Na desmontagem da exposição fiquei uma semana , mas não menos proveitosa . Conheci o morro de Santa Teresa , lugar dos artistas , com seus vários ateliês , lojinhas , barzinhos e a vista maravilhosa da Baia de Guanabara . Ahhhh ... e a praia da Barra , me apaixonei por este lugar .
O Brasil ganhou a Copa do mundo enquanto eu estava lá , e pude até festejar nas areias de Copacabana com o samba da Mangueira rolando . E os espanhóis cantando junto com a gente " Eeeu .. sou brasileirooo , com muito orgulhooo ... com muito amooor  " rsrs .

Não ocorreu nenhum acidente nas obras de arte durante a exposição e tudo correu bem . Conferíamos o laudo e a equipe da montagem embalava , encaixotava e lacrava as obras . E elas estavam prontas para voltarem para a Espanha .

Sozinha no aeroporto , sentada na minha mala esperando meu vôo , tive a certeza de que recebi um dos maiores presentes do mundo , em forma de trabalho . Eu nunca mais fui a mesma , a Cidade Maravilhosa deixou marcas no meu coração para sempre . Voltei mais quatro vezes para lá , à passeio , e sempre que vou , esta cidade me surpreende e encanta , ainda quero voltar mais mil vezes , se for possível . E o Cristo Redentor sempre estará lá para me receber de braços abertos .

Obrigada Rio de Janeiro !







O Pateo do Colégio

O marco de fundação de São Paulo é o Pateo do Colegio , no Centro . Fundado pelos jesuítas , foi o primeiro Colégio da cidade . O padre José de Anchieta foi seu fundador .


Em 2001 foi feita uma grande restauração lá , incluindo o prédio e todo o acervo do museu .
Antigamente esse museu era um verdadeiro horror , mal cuidado , sem museologia adequada .
Hoje é um lugar lindo , com uma intensa visitação .
Não é para menos , as peças que o museu abriga são fantásticas . Várias telas , esculturas policromadas , e peças de Igrejas .
Lembro que esse ano foi bem agitado , eu trabalhei em dois ateliês ao mesmo tempo , que pegaram  peças para restaurar , e tive o privilégio de ter em mãos esculturas maravilhosas , como os Cristos , variados santos e muitas telas .
Muitas peças do acervo estavam bem danificadas , e quase todas com bastante repintura.


Esta tela , por exemplo , foi uma das quais me lembro bem . Retrata o Padre José de Anchieta no Brasil , com um animal ao lado , uma onça  ou jaguatirica  . Visão de algum europeu , claro . Mas a tela não tinha assinatura .
O estado de conservação dela era o pior possível , estava reentelada , de modo errado , e com grandes áreas de repinturas e com nivelamento grosseiro.
Nesta foto é o momento em que retiramos todas as intervenções incorretas , para aí sim , fazer um trabalho adequado . Olhando assim parece assustador , mas para quem quiser ver a tela restaurada é só dar uma passadinha no Museu do Pateo do Colegio.

Várias esculturas estavam também bem danificadas , sujas e repintadas fizemos a remoção das repinturas com bisturi e solventes adequados , trabalho bem lento e minucioso , os nivelamentos e as reintegrações cromáticas necessárias . Um trabalho muito recompensador !

As peças que não eram feitas por mim , eu sempre ia olhar e aprender cada etapa , com os outros restauradores , o que eles estavam fazendo .

Aprendi muito mais sobre restauro e suas técnicas neste ano . Conheci e tive a honra de trabalhar com uma das melhores restauradoras do Brasil .Cresci muito com este trabalho , lógico que nesta época eu já tinha feito o curso de formação em restauro , mas a prática , com peças tão diferentes foi a melhor escola .






A Igreja de Santa Teresinha

Quem conhece bem São Paulo sabe que casar na Igreja de Santa Teresinha , perto do Pacembu , é uma tradição entre as famílias ricas . Depois da Nossa Sra. do Brasil , ela é talvez a segunda Igreja mais procurada ! E isso por causa da famosa "chuva de pétalas de rosa" no altar , depois do " SIM " .
A Igreja é pequena , muito linda , e pintada pelos irmãos Gentili , os mesmos de São Roque .

Quando fui fazer um trabalho lá , o estado de conservação das pinturas ainda era boa , com pequenas excessões de alguns descolamentos da pintura na nave central . O problema a qual fui chamada a resolver , junto com meu mestre Anchieta , era dos corredores laterais. Por estar incrustada entre um prédio e uma escola , os corredores estavam com muitas infiltrações e a pintura estava se perdendo .



O desastre maior foi o que fizeram , os corredores já haviam sido restaurados , quer dizer REPINTADOS ! e muito mal feito . As cores erradas ( muito vibrantes ) as máscaras e filetes em posições erradas .


Depois de retirar a repintura e finalmente achar o original , as cores certas foram feitas , no estilo Gentilli de tons , até um filete e ornamentação dourada foi resgatado , e deu mais luz e vida as pinturas ornamentais . Foram poucos meses de trabalho , pois não queriam mexer na nave central por falta de verba .

Mas o mistério da " chuva de pétalas de rosas " eu consegui descobrir como era feito .... rs . Um menino era pago ( 10 reais ) , para subir no forro da Igreja e fica deitado lá , só espiando o casamento através de um buraco pequeno , na hora do " Pode beijar a noiva " , ele jogava as pétalas !!!





       

Enfeite de lareira ? jamais !!!

Uma obra de arte é muito mais que um simples objeto de decoração , ainda mais quando é uma pintura antiga e de certo valor . É também um bem cultural , e deve ser tratado como tal .


Uma vez fui ver uma tela na casa de uma Sra. muito culta e de um certo status social .
A tela era linda , apesar de não se conseguir ver muita coisa . Era muito antiga , escura , com pinturas de santos , " estilo cusquenho " . A camada pictórica estava totalmente recoberta por uma sujeira amarela-esbranquiçada . Apresentava perdas , enfim ,  um caso sério !

Levei ao ateliê e descobri a causa daquele problema . A tela por ser antiga , já havia sido restaurada , e o reentelamento foi feito a base de cera .
A tela ficava em cima da lareira , assim com o calor da lareira acesssa , o reentelamento ia derretendo e subia para a camada pictórica .
Fiz a limpeza , a retirada do reentelamento , um novo reentelamento com outro produto , a fixação da camada pictórica ,os nivelamentos e o retoque . E pronto , a tela estava linda e saudável .




Agora era só convencer a dona da tela que em cima lareira não é lugar de obra de arte .






   
                                     

Um caso curioso

Eu estava trabalhando de volta no ateliê, fazendo telas outra vez . Um dia uma amiga da época de colégio me liga, e pede para eu ir ver uma tela do pai dela.
É uma família de italianos, o pai dela veio pequeno para cá, e lógico trouxeram muitas obras de arte da Itália. Fui olhar a tela, uma marinha muito bonita e bem pintada . Minha surpresa foi quando olhei atrás do quadro  ( restaurador adora olhar o verso da tela , pois é lá que se descobre muita informação sobre o estado de conservação ) e tive uma surpresa, a tela não tinha chassi !
Nunca tinha visto algo assim, a tela estava toda deformada, pois havia sido pregada diretamente na moldura !







O pai da minha amiga nunca tinha percebido isso, me contou que achava que o pai dele deve ter trazido a tela enrolada na mala e colocado numa moldura aqui no Brasil.
O difícil foi convencê-lo que era necessário fazer um chassis, com cunhas e que isso era um dos motivos do valor do restauro.


Normalmente quando pegamos uma tela para restaurar, o chassis tem que estar adequado para cada tela, o chassi com cunha é utilizado porque a tela normalmente se movimenta e o chassi deve movimentar-se junto. Quando uma tela tem chassi fixo, isso é pregado ou colado, sem cunhas, o melhor é sempre trocá-lo, para não haver a deformação da tela e por consequência o craquelamento e perdas da camada pictórica. Telas muito grandes necessitam de chassis com travas horizontais ou em cruz , dependendo do tamanho.






A saúde de uma tela depende de vários fatores, o chass , o suporte, a base de preparação, a camada pictórica e o verniz .E também do local onde ela fica, com condições climáticas adequadas.





Reentelar ou não reentelar ? eis a questão ...

Uma prática comum na restauração é o reentelamento. Quando se adere um novo tecido , preferencialmente linho , a uma tela estragada . O linho é usado pois é um tecido que não deforma com o tempo, o algodão por exemplo, deforma-se com a umidade .

Há muitas controvérsias no mundo da restauração quanto a se reentelar ou não . Uma tela restaurada e que não foi necessário fazer o reentelamento é mais bem vista pelos colecionadores . Uma vez que o tecido guarda em si características únicas da época em que foi feito .
Reentelar é necessário quando o tecido está deteriorado
" puído ", comprometendo a pintura , grandes deformações ou se existe um rasgo muito grande , ou vários rasgos .
verso de tela com manchas e deformidades


Quando restauramos uma tela antiga século XVII , XVIII , e que foi anteriormente restaurada , as vezes encontramos um reentelamento , este era feito na Europa com cola de farinha , que apodrece e deixa resíduos difícies de se retirar . Temos que desgrudar o tecido do reentelamento por trechos e depois raspar com cuidado toda a " cola " restante da tela original . É um processo longo e trabalhoso . Como também é a retirada de reentelamento feito com cera . Muito utilizada também . A cera é ainda usada por restauradores que não se modernizaram . E também deixa muito resíduos na tela original .


retirada de reentelamento


Como eu já expliquei anteriormente , no restauro correto , retiramos todas as intervenções anteriores para se chegar mais próximo do original possível e só depois , tratar a obra .
Um dos problemas que ocorrem quando uma tela não é bem reentelada são as bolhas de falta de aderência . O que traz movimentação para a tela , podendo até criar craquelês e perda de pintura. Também ocorrem manchas no verso da tela , feitas por quem não sabe reentelar .

manchas no verso de uma tela reentelada errado






exemplos de telas reenteladas corretamente


Os produtos hoje utilizados modernizaram-se bastante . Existe no mercado hoje um produto que não deixa resíduos é limpo e ótima aderência . Saiba bem para quem entregar sua obra de arte , pergunte sempre as técnicas utilizadas para não haver sustos e arrependimentos posteriores .